Em um dado momento você se encontra
em um lugar parecido com o que fora (por momento vamos chamar assim) uma chácara.
Uma bela vista, o sol iluminando a relva, o suave cantar dos pássaros ao amanhecer,
jardins com flores fascinantes; piscina com vista para um rio sem fim e uma
encantadora mansão que aconchega os convidados. Mais ou menos isso, sem
deter-nos em demasias às descrições. Por apenas parecer com o que foi, o que de fato
agora é, tornou-se pesado, envelhecido; paisagens com as cores desbotadas, sem
luz, sem brilho; carregado por densas trevas que chegaram para não mais sair.
Repentinamente, sem quase nada
entender, depara-se com várias pessoas alegres, festeiras, hospedeiras que, de
tanta afabilidade, passam a servir-te em tudo que deseja e oferecem tudo
existente na terra que sempre almejou. Na inexatidão desta realidade, sente-se
como em um paraíso. Distraído, começa a divertir-se. Melhores whiskys à
disposição, sem medidas; mulheres variadas sem censuras; charutos, cigarros,
drogas diversas, jogos, dinheiro no ar. Qualquer coisa para te fazer ainda mais
feliz, livre, desimpedido de responsabilidades; muitas conversas, gargalhadas;
lugar de delícias sem fim.
Nesta aventura vai vivendo, as horas
passam, as diversões multiplicam-se. E tudo vai se dando exageradamente eu tua
vida, como férias contínuas. Teus anfitriões não se cansam e não permitem a ti
o repouso. Por vezes, usando o mesmo instante, todos o cercam; conversam
contigo ao mesmo tempo, contam piadas, enfiam-lhe bebidas goela abaixo. As
mulheres insaciáveis despem-no com ultrajante malícia e, sem saída, permanece
horas em coito com elas. Já exausto, extremamente fatigado, sufocado pelos excessos,
limite de suas forças esgotado esquiva-se à procura de um tranquilo lugar
ansiando o dia clarear.
Avista um canto arredio e encaminha-se
pra lá. Joga teu corpo cansado e, algo como uma cama, o apara; deita tua cabeça
aturdida e sente falta do lar. No meio minuto do teu respirar,
instantaneamente, tudo volta a revelar-se. As mulheres o agarram, o sugam, te
puxam de todos os lados; as gargalhadas zunindo aos teus ouvidos, bebidas
introduzidas dilacerando tua garganta, entorpecendo tua boca; tumulto, barulho
reunidos ao teu redor, sob tua cabeça, sobre teus pés.
Desespera-se e “range os dentes”;
tenta encontrar um lugar de paz, mas descobre que o sossego acontecera um dia,
agora aquém para você; chora amargamente por entender que a aurora nunca mais raiará.
Corpo pesado sem opção de como sustentá-lo, olhos gastos pela escuridão,
ouvidos sangrando pela imperfeição dos agudos ruídos. Nenhuma força o poderá
salvar, nesta constante, vivenciando a todo instante a sequencia dos acontecimentos,
permanecerás neste lugar!
Com a alma contorcendo-se em dor,
desespero que não cabe às palavras explicar, cai em si. Tomado por angústia, sofrimento
e muito lamento lembra de si mesmo e tem por esclarecido que sua vida passou.
Enxerga-se condenado perpetuamente! Os teus feitos em vida te arrastaram a esse
lugar. Agora a eternidade é tua consciência a consumir-te e a te torturar. É
ela que não te permite pausa; te faz esgotar-se sem te eliminar; te mata sem te
permitir morrer. Dela, não mais te livrarás, ela agora é teu lugar. A tua consciência,
caro amigo, a devorar-te noite e dia sem cessar, é o inferno que nunca pensou evitar.
(Liliana
Almeida)
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