terça-feira, 27 de agosto de 2013

Já imaginou o que pode ser o inferno?





          Em um dado momento você se encontra em um lugar parecido com o que fora (por momento vamos chamar assim) uma chácara. Uma bela vista, o sol iluminando a relva, o suave cantar dos pássaros ao amanhecer, jardins com flores fascinantes; piscina com vista para um rio sem fim e uma encantadora mansão que aconchega os convidados. Mais ou menos isso, sem deter-nos em demasias às descrições. Por apenas parecer com o que foi, o que de fato agora é, tornou-se pesado, envelhecido; paisagens com as cores desbotadas, sem luz, sem brilho; carregado por densas trevas que chegaram para não mais sair.

          Repentinamente, sem quase nada entender, depara-se com várias pessoas alegres, festeiras, hospedeiras que, de tanta afabilidade, passam a servir-te em tudo que deseja e oferecem tudo existente na terra que sempre almejou. Na inexatidão desta realidade, sente-se como em um paraíso. Distraído, começa a divertir-se. Melhores whiskys à disposição, sem medidas; mulheres variadas sem censuras; charutos, cigarros, drogas diversas, jogos, dinheiro no ar. Qualquer coisa para te fazer ainda mais feliz, livre, desimpedido de responsabilidades; muitas conversas, gargalhadas; lugar de delícias sem fim.

          Nesta aventura vai vivendo, as horas passam, as diversões multiplicam-se. E tudo vai se dando exageradamente eu tua vida, como férias contínuas. Teus anfitriões não se cansam e não permitem a ti o repouso. Por vezes, usando o mesmo instante, todos o cercam; conversam contigo ao mesmo tempo, contam piadas, enfiam-lhe bebidas goela abaixo. As mulheres insaciáveis despem-no com ultrajante malícia e, sem saída, permanece horas em coito com elas. Já exausto, extremamente fatigado, sufocado pelos excessos, limite de suas forças esgotado esquiva-se à procura de um tranquilo lugar ansiando o dia clarear.

        Avista um canto arredio e encaminha-se pra lá. Joga teu corpo cansado e, algo como uma cama, o apara; deita tua cabeça aturdida e sente falta do lar. No meio minuto do teu respirar, instantaneamente, tudo volta a revelar-se. As mulheres o agarram, o sugam, te puxam de todos os lados; as gargalhadas zunindo aos teus ouvidos, bebidas introduzidas dilacerando tua garganta, entorpecendo tua boca; tumulto, barulho reunidos ao teu redor, sob tua cabeça, sobre teus pés.

       Desespera-se e “range os dentes”; tenta encontrar um lugar de paz, mas descobre que o sossego acontecera um dia, agora aquém para você; chora amargamente por entender que a aurora nunca mais raiará. Corpo pesado sem opção de como sustentá-lo, olhos gastos pela escuridão, ouvidos sangrando pela imperfeição dos agudos ruídos. Nenhuma força o poderá salvar, nesta constante, vivenciando a todo instante a sequencia dos acontecimentos, permanecerás neste lugar!

        Com a alma contorcendo-se em dor, desespero que não cabe às palavras explicar, cai em si. Tomado por angústia, sofrimento e muito lamento lembra de si mesmo e tem por esclarecido que sua vida passou. Enxerga-se condenado perpetuamente! Os teus feitos em vida te arrastaram a esse lugar. Agora a eternidade é tua consciência a consumir-te e a te torturar. É ela que não te permite pausa; te faz esgotar-se sem te eliminar; te mata sem te permitir morrer. Dela, não mais te livrarás, ela agora é teu lugar. A tua consciência, caro amigo, a devorar-te noite e dia sem cessar, é o inferno que nunca pensou evitar.

(Liliana Almeida)



segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Ignorada comunhão


“Tenho uma preocupação séria a compartilhar com vocês, meus amigos, pela autoridade de Jesus nosso Senhor. Tentarei ser o mais direto possível: vocês precisam aprender a entrar em acordo. Devem ter consideração uns pelos outros, cultivando a vida em comum.” (I Co 1;10 – A  Mensagem)


          Houve um tempo em que a comunhão era preciosa entre os pares, entre os irmãos.  A dor sofrida por um era sentida por todos e, em momentos assim, mesmo que as palavras fossem dispensadas, o silencio transmitia fidedigno os sentimentos que fortaleciam as relações. O encontro das almas era verídico e isso significava muito e bastava; subsequentemente, era como as águas que sobravam dos rios e corriam saudavelmente aos mares. Tudo era soma!
       O perder de um, era a tristeza de todos; a alegria de algum, a todos contagiava. Não faltava a relevância; todos tinham sua significância. Em uma multidão de cem, a ausência de uma era arrasadora aos corações; as noventa e nove aguardavam o resgate da amiga perdida com emoção. Era um tempo em que havia disposição para o perdão.
          Porém, nestas mutações hodiernas, o tempo levou consigo a comunhão! A humanidade se perde! O amor compromete-se com o descaso; a amizade vibra por interesse próprio; as relações falindo cada vez mais. Hoje, minha tristeza não o sensibiliza, sua alegria não me faz festejar; minha dor não o comove, suas lágrimas não me fazem chorar.
        Vivemos em um tempo em que calar às agressões é covardia, amar é estupidez, perdoar é fraqueza! A comunhão preside enquanto for de interesse das partes beneficiar-se de alguma forma; o crivo da clareza, pureza e nobreza deixou de existir; tudo tornou-se uma mistura tóxica, um lixo químico que inflama e corrói e que em qualquer instante, pode explodir. A satisfação da irmandade foi deixada para trás; a comunhão deixou de existir.
         Deixamos de observar o Cristo, mesmo quando anunciamos o Céu e, assim, nos assemelhamos ao senso comum caminhando a passos largos, em um caminho largo, almejando, sozinho, o primeiro lugar.


(Liliana Almeida)