O autor
José
Martiniano de Alencar, cearense de Mecejana, nasceu em 1º de maio de 1829. Seu
nascimento, vida e obra deram-se em um momento especial, uma vez que estávamos
nos firmando enquanto pátria, pois, em 1822 D. Pedro I, finalmente, realiza um
movimento que, de certo, vinha ao encontro do desejo do povo brasileiro desde
1808: A Independência do Brasil. Baseado nisso Amora (1967: 62) diz que a
Independência e a consequente concentração de nossas energias morais e
materiais no sentido da definição da pátria brasileira, impuseram o trabalho de
construção da história nacional.
Em
meio a toda esta junção de construções e mudanças, Alencar se desenvolve. Cursou
Direito em São Paulo (1845-50) e, nesse período veio a criar
uma revista
semanal chamada Ensaios Literários, juntamente com alguns colegas do curso, aonde
chegou a publicar seus primeiros ensaios. Voltou para o Rio de Janeiro após
sete anos na cidade paulistana. Filho de um senador do Império acompanhava,
desde sua infância, as reuniões e questões políticas; foi político conservador,
monarquista, proprietário rural e, acima de tudo, absurdamente nacionalista. Aparece
na literatura brasileira, após ter advogado um período no Rio de Janeiro, como
autor de obras que representavam fielmente os seus pensamentos e sentimentos,
sejam políticos ou sociais.
Alencar
escreveu peças de teatro e crônicas, mas foram os seus vários romances entre
indianistas, rurais, históricos, regionais e urbanos que marcaram sua carreira.
A seu respeito, Bosi (1970:151) diz o seguinte:
Alencar,
cioso da própria liberdade, navega feliz nas águas do remoto e do longínquo. É
sempre com menoscabo ou surda irritação que olha o presente, o progresso, a
“vida em sociedade”; e quando de detém no juízo da civilização, é para deplorar
a pouquidade das relações cortesãs, sujeitas ao Moloc do dinheiro. Daí, o
mordente das suas melhores páginas dedicadas aos costumes burgueses em Senhora
e Lucíola.
Enfrentou
problemas de saúde por conta de uma tuberculose que lhe atormentou por mais de
duas décadas. Viajou, em 1877 para a Europa na esperança de conseguir a cura,
porém foi em vão e no mesmo ano, dia 12 de dezembro, aos 48 anos de idade,
acaba por falecer no Rio de Janeiro.
Entendendo
a Obra
Senhora
é uma obra pertencente à escola literária Romantismo, que foi escrita em 1875 e
pertence ao romance urbano de Alencar. Precursora do Realismo (entendemos desta
forma, uma vez que em vários momentos durante a narrativa, encontramos traços
característicos que mostram elementos da realidade. Evidenciaremos nas próximas
linhas), retrata os costumes da sociedade fluminense e seus interesses financeiros.
O autor destaca como a Corte enaltece a riqueza e como vive em constantes
disfarces para mostrar-se sempre em glória.
Bem engajada no Romantismo, a obra
reflete uma sociedade movida pela burguesia, alimentada pela questão
financeira. Uma sociedade que revestia-se em bailes luxuosos que trazia como
intuito mostrar, uns aos outros, a alegria, a elegância, as finas vestes, etc. Poderia
até ser intitulado “baile de máscaras”, entretanto, as máscaras não eram
aparentes; era o disfarce que iludia a todos. A hipocrisia era a única coisa,
de fato, real. Desta forma, o autor faz uma crítica à sociedade em que vivera,
uma vez que é contemporâneo à obra.
O
romance é dividido em quatro partes e, apesar do tempo ser cronológico, não há
uma linearidade quanto aos acontecimentos. Isto fica evidente no desenrolar das
partes que começa, por exemplo, narrando os acontecimentos atuais em “O Preço”
e segue nos contando sobre o que passara a jovem Aurélia, na segunda parte,
intitulada “Quitação” e, seguidamente, a sucessão das demais partes, a saber:
“Posse” (retoma a narrativa que se encerra na primeira parte) e “Resgate”. (desenrolar
da trama). O foco narrativo dá-se em terceira pessoa, cujo narrador onisciente
é sabedor de tudo que se passa no coração e mente das personagens.
A
obra traz como principal personagem Aurélia Camargo, moça pobre decepcionada
com o amor, que, de uma hora para outra, herda uma grande riqueza por parte do
avô paterno e maquina uma dolorosa vingança contra o ser amado e Fernando
Seixas, um jovem que estudava Direito e amava a vida em sociedade, porém, era
desprovido de dinheiro e isso o levou a crer que casando-se com uma moça rica
evitaria a ruína financeira e conseguiria manter seus hábitos caros. Há também,
destaques para as personagens: Lemos, Dr. Torquato Ribeiro, D. Firmina
Mascarenhas, Adelaide Amaral, D. Emília, Lourenço Camargo e Pedro Camargo.
Senhora
Senhora, como já mencionado
nas linhas que antecederam estas é um romance que inicia a primeira parte
falando sobre Aurélia em seus dias atuais. Obra tipicamente romântica, traz
Aurélia como a “deusa dos bailes”, “musa dos poetas”. Características do
Romantismo que “pintavam” suas personagens como algo extremamente sublime,
divinizadas.
Aurélia Camargo aparece com 18 anos de idade, extremamente rica e
poderosa, inebriando a todos com sua elegância e beleza. Por ser órfã, vivia
sob proteção da bondosa viúva D. Firmina que a acompanhava em tudo e tinha por
tutor, seu tio Lemos, que, pelo gênio da sobrinha, ficava à disposição das
vontades da moça. Constava, porém, que nem sempre Aurélia foi rica. Outrora,
fora muito pobre, o que, por sinal, foi motivo para o início de uma grande
amargura, pois, por pertencer a uma classe desprivilegiada foi rejeitada pelo
noivo Fernando Seixas, que, por sua vez, era assíduo participante dos luxuosos
bailes do Rio de Janeiro.
Era
filha da união de Pedro de Sousa Camargo, estudante de medicina, cujo pai
Lourenço de Sousa Camargo era um fazendeiro rico e severo em suas decisões e
Emília Lemos, moça pobre que vivia com o irmão mais velho Manoel José Correia
Lemos. Desta união, nasceu, também, o primeiro filho que foi chamado de Emílio.
Entretanto, a união de Pedro e Emília não foi muito longe, pois o irmão de
Emília tratou de exigir de Pedro um documento que legitimasse a sua condição de
único e legítimo herdeiro, para, então, poder casar-se. Porém, a esta condição
Pedro não tinha como atender e, por assim ser, em comum acordo com Emília fugiram
e casaram-se às escondidas, contudo, o sr. Lourenço, quando soube que seu filho
vivia com uma moça a quem raptara, ordenou que deixasse a Corte e regressasse à
fazenda. Assim, Pedro o fez e manteve em segredo, não somente seu amor, mas o casamento
também.
Após
um ano de separação, Pedro Camargo voltou ao Rio e conheceu seu primeiro filho
e, desde então, passou a frequentemente visitar a família e, nesse interim,
nasceu Aurélia. O que Pedro não esperava é que seu pai exigisse que ele casasse
com uma moça rica da região; esta exigência amedrontou sobremaneira o pobre
rapaz que resolveu fugir, todavia morre, em um rancho, durante a fuga deixando
a viúva e seus dois filhos. O dono do rancho encontra uma maleta que estava em
poder de Pedro e faz menção de entregar ao sr. Lourenço, porém, esta ação veio
acontecer anos depois.
Enquanto
vivia o pai, Aurélia e o irmão tiveram uma boa educação, porém, órfãos,
passaram a viver em necessidade. Mais Aurélia, pois, frágil que era o irmão,
veio logo a falecer, deixando a mãe ainda mais isolada e trancada em si mesma,
apenas com uma única preocupação: futuro de Aurélia. Movida por esta
preocupação, a mãe conseguiu induzir à filha a ficar na janela com o intuito de
conseguir um marido e, assim, ela acabou por conhecer e apaixonar-se,
perdidamente por Fernando Seixas.
Vejamos que em todo este resumo da obra descrito até aqui, encontramos
várias características que denunciam o comportamento da sociedade burguesa e
seus interesses. Pedro era apenas estudante e, por assim ser, Lemos queria uma
garantia que este teria algo a oferecer em troca da irmã. O pai de Pedro, por
sua vez, nunca aceitaria que o filho casasse com uma moça pobre, para isso,
tratou de arranjar uma moça rica para casar o filho. Aurélia, por costume da
época, precisava, uma vez que não tinha como frequentar os bailes, expor-se à
janela para ser cortejada.
Fernando
Seixas era moço pobre; morava com a mãe e duas irmãs. Viviam do aluguel dos
escravos e da costura. Apaixona-se, também, por Aurélia e chega até pensar em
casamento, mas, por possuir uma personalidade interesseira e “vício” em
frequentar aos grandes bailes, desiste de Aurélia para aceitar casamento com
Adelaide, por quem receberia um dote de trinta contos. Ora, aqui fica explícito
o que Bosi (1970: 154) chamaria de mazelas de um mundo antinatural, ou seja, o
casamento por dinheiro e, se firmará ainda mais minuciosamente quando Seixas
deixará Adelaide por um dote ainda maior que lhe será oferecido, sem que este
saiba, por Aurélia.
Ao
tempo em que algumas coisas sucediam, o sr. Lourenço ler do seu filho Pedro uma
carta que contava toda a história que vivera com a Emília e pede-lhe perdão. O
velho Lourenço a fim de reparar o erro procura a viúva e a neta e a faz sua
única herdeira morrendo algum tempo depois, deixando-lhe toda riqueza que
possuía e, não muitos dias adiante, morre, também, dona D. Emília “deixando Aurélia em completa orfandade”.
Com a grande ajuda de Dr. Torquato Ribeiro, a jovem órfã foi morar com D.
Firmina. A partir destes acontecidos, o romance toma um ritmo em que, por
momentos, vê-se o autor entrando nalgumas características que assemelham-se às
ideias do Realismo, pois, “escancara” a vida de Seixas ao mostrar que este
“vende-se” para manter confortável seu padrão dentro da Corte. É mais real do
que romântico.
Procurando Seixas, Lemos, após uma astuta, envolvente e falsa conversa
trouxe-lhe a seguinte proposta: “ – Fui
encarregado por esta família que me honra com sua amizade de procurar a pessoa
que se deseja, e minha presença aqui, neste momento, significa que tive a
fortuna de encontra-la.” Lemos, por ondem de Aurélia, que possuía uma da
grande habilidade maquiavélica e agora já riquíssima com a herança do avô,
havia tramado o término do noivado de Seixas com Adelaide para que este ficasse
livre a se submetesse à vingança da alucinada jovem. E assim, do jeito
planejado e arquitetado aconteceu e então, Seixas e Aurélia se casaram.
No Segundo Reinado, como já mencionamos
anteriormente, era comum casamento por conveniência. Referindo-se ao fato do
autor ter colocado no centro do romance, não mais um herói, como Peri (O
Guarani), por exemplo, e sim um Seixas, Bosi chama o narrador de realista,
afinal, Seixas acabara por se tornar um ser inferior, comum, sem nenhum indício
ao heroísmo, sem idealizações. E, este mesmo Seixas, confiante, segue para a noite
de núpcias e, qual não foi sua surpresa, quando Aurélia começa a “vomitar” tudo
que havia dentro de si, dizendo: “A
riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da
ilusão, que têm as mulheres enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e
suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa.”
Os meses foram passando e, ainda dentro dos
costumes da sociedade, Aurélia e Seixas, mesmo digladiando-se entre si, aparecem
sempre sorridentes nas grandes festas e conseguem manter as aparências como
“mandava” a sociedade. A vida de Seixas ficou dividida entre seu trabalho e ser
“escravo” da dona que o comprara. Em tudo recusara o que pertencia à esposa.
Esforçando nos seus afazeres, havia colocado dentro de si a ideia de restituir
a sua liberdade. Ao que referente a esta parte da narrativa, podemos trazer
Bosi (1970: 154) com a seguinte colocação:
[...] O
equilíbrio perdido em termos de uma visão romântica do mundo, vai-se
restabelecer porque Alencar arranjará uma solene redenção fazendo Seixas
resgatar-se na segunda parte da história. O passo dado em direção ao romance de
análise social fora uma concessão à mentalidade mercantil que repontava no fim
do Império.
Após
tanto desentendimento entre o casal, a narrativa traz a aliança tão sonhada e
esperada das obras românticas. Estes dois atores representantes da sociedade,
alcançam, finalmente, a reconciliação. Certo dia, os dois brigando por causa de
ciúmes (ela achando que o marido tinha algo com Adelaide e o marido achando que
a esposa tinha algo com o Eduardo Abreu, que no passado fora apaixonado por
ela), Seixas avisa que quer o divórcio e mostra que conseguiu o dinheiro (o
valor do dote) para pagar sua liberdade. Aurélia, quando percebe que o marido
está resoluto, abre o coração e declara que nunca conseguiu esquecê-lo e que
seu amor permanece intacto. Fernando, na mesma disposição de espírito, recebe a
amada em seus braços. E assim, “as
cortinas cerraram-se e as auras da noite acariciando o seio das flores cantavam
o hino do santo amor conjugal.”
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